No nosso último post falamos de uma forma bem simples como funciona o processo de produção dessa experiência que chamamos de DOR no nosso cérebro.
Nesse post vou me aprofundar um pouquinho mais nessa questão de "como a dor é produzida" e tentar responder à pergunta: "será que toda dor que a gente sente é sinal que nosso corpo está machucado?".
Respondendo de imediato: não, nem toda dor significa que está machucado. Mas eu sei que só falando assim parece bobagem e posso acabar não transmitindo a mensagem que eu quero com o post, que é, basicamente, fazer você ter um bom relacionamento com seu corpo. E para isso, considero importante entendermos um pouco de como ele funciona.
Bom, quando falo "machucado", eu quero dizer "lesão". Ou seja, algo que comprometeu a função de alguma parte do seu corpo.
E a questão é que DOR não é a mesma coisa que LESÃO. Então vamos tentar entender o que é cada coisa?
Primeiro: o que é LESÃO?
Bom, no dicionário você encontra o significado: "perturbação causada ao tecido de um órgão; ferida; contusão, inflamação, tumor etc..."
Ou seja, lesão é algo que acomete o tecido ao ponto de influenciar na FUNÇÃO dele. Uma palavra ali no significado ajuda nisso: inflamação. E quando um tecido (músculo, pele, osso...) ou órgão está inflamado, ele perde ou se compromete na sua função.
Já a dor é algo completamente diferente. Dor é um produto que o CÉREBRO cria para quando ele entende, por meio de vários processos e várias informações, que a situação em que você se encontra naquele momento é AMEAÇADORA para sua integridade física.
Ou seja, quando está inflamado, o cérebro pode - mas não necessariamente vai, como já vimos - produzir dor, porque, obviamente, uma inflamação é uma ameaça à integridade do corpo, e você precisará proteger aquele local. Por isso a dor, ela serve para te alertar mesmo, para que você tome uma atitude diante daquilo. Mas, entenda, não é porque está doendo que está inflamado. Essas são coisas diferentes.
Assim como, no post passado, falamos sobre como podemos nos machucar e não sentir dor - porque o cérebro decidiu que deveria "cortar" aquela experiência para você poder sobreviver do ataque do cachorro - o contrário também pode acontecer, e seu cérebro pode produzir dor quando você não tem um corte, uma ferida ou coisa do tipo acometendo seu corpo.
Isso ajuda a gente a explicar um pouco melhor o porque de muitas pessoas sentirem dor em alguma parte do corpo por um certo tempo e, depois de fazer vários exames, não descobrir nada na região.
Um exemplo bem claro disso é a dor lombar, que em muitos casos não se encontra nada em exames de imagem, mas a pessoa continua sentindo dor na região.
Quando encontramos uma LESÃO, as coisas às vezes ficam bem "claras". Na lesão tem inflamação, tem calor local, tem rubor (vermelhidão) - quando é na pele - tem edema (inchaço), e tem PERDA DE FUNÇÃO. Ou seja, aquela região não consegue mais produzir a função que ela tinha antes. Como quando a gente tem uma fratura em algum osso. Nós perdemos a capacidade de se apoiar nele, quanto precisa - imagine que a fratura é na coxa, por exemplo.
Já a DOR é uma experiência, ela é uma percepção do indivíduo, que tem relação com muitas, mas muitas coisas que vão além de uma inflamação, como o contexto em que a pessoa está (lembra da história do cachorro, do bebê e do jogador de futebol no outro post?). Mas também envolve fatores cognitivos, como por exemplo a crença da pessoa com relação ao que ela acha que tem.
Imagina o seguinte:
Você começa a sentir uma dor no seu joelho e passa a achar. seja pelo motivo que for, que o que você tem ali é algo bem grave, que pode acabar te obrigando a fazer uma cirurgia ou algo assim se não for tratada.
Além disso, imagine que seu tio ficou sabendo de alguém que começou a sentir uma dor no joelho e dois meses depois teve que fazer cirurgia pra substituir o joelho por uma prótese. Imagine também que você decide ir para o médico, faz um exame e ele fala "olha, estou vendo aqui que você tem uma artrose nesse joelho, então pode parar de pegar peso, de correr e de ficar se agachando".
Bom, o cérebro trabalha não apenas com as informações que ele recebe do seu corpo, mas com essas informações também. Quando ele está decidindo se vai produzir dor ou não, essas informações vão estar no "tribunal" desse julgamento. Você acha que, com esse monte de informação, seu cérebro vai decidir que você não está em uma situação de ameaça? Muito provavelmente ele vai decidir que você está, e pode produzir ainda mais dor com isso.
Entenda: o cérebro recebe informações constantemente do nosso corpo. Eu quero dizer constantemente MESMO, o tempo todo, a todo mísero instante ele está recebendo informações de alongamento do seu tecido, de compressão das suas articulações. Imagina que toda informação que ele recebesse ele decidisse produzir dor... seria horrível. Então ele precisa de um processo de "filtragem" dos estímulos. Todos esses estímulos passam por um "julgamento" do cérebro, e se ele decidir que o estímulo é ameaçador (mesmo que a natureza do estímulo não seja em si ameaçadora), ele vai produzir dor.
A questão é que muitas vezes o que você tem de real no corpo não é motivo para o cérebro produzir uma dor por muito tempo ou tão intensa. O que pode estar acontecendo é um JULGAMENTO inadequado do seu cérebro, por causa de vários fatores.
E aí você pode me perguntar "mas então quais fatores fazem o cérebro ficar mais "sensível à dor?"
Bom, fatores emocionais, psicológicos, alimentação inadequada, sono prejudicado, fatores sociais (por exemplo, como as pessoas ao seu redor ou a sociedade em que vivemos lida com dores no corpo ou problemas de saúde).
Todos esses fatores, se forem "ruins" de alguma forma para o corpo, podem tornar a situação ameaçadora para sua integridade, em um certo grau, e o cérebro vai passar a produzir dor em alguma parte do corpo - que, por mais que possa estar levemente mais sensível que outras partes, não é motivo para você se preocupar de ter uma lesão ali.
Ou seja, quando nos alimentamos mal, nosso sono está prejudicado, nós ficamos remoendo aquela dorzinha achando que ela é algo muito grave, tudo isso, ao invés de ajudar o cérebro a julgar adequadamente o que está acontecendo no corpo, na verdade só fortalece um julgamento "negativo" dele, achando que você está em uma situação ameaçadora e perigosa. Aí já podemos até ver a relação de ansiedade, medo de se movimentar e outras questões que estão envolvidas em todo esse contexto e que nós, profissionais da saúde sempre nos deparamos. Mas isso é assunto, novamente, para outro post.
Acabo por aqui :)
Comments