A gente sente dor. Isso é um fato, podemos dizer, incontestável. Afinal, se uma pessoa não sente dor ou ela está mentindo, ou ela possui alguma síndrome que acometeu o sistema nervoso, como a Disautonomia Familiar (Síndrome de Riley-Day, ou síndrome de analgesia congênita) que modifica a capacidade sensitiva da pessoa.
Logo, quem diz que nunca sente dor ou tá tentando dar uma de "bonzão" ou está doente.
Agora, eis a pergunta que fica: o que é dor?
Se eu fizer essa pergunta para você, o que você me responderia?
"Ué, dor é... dor! Um... desconforto, sei lá... é dor!". Provavelmente eu receberia uma resposta como essa, né?
Apesar de todo mundo (ou quase todo mundo) sentir dor, é difícil dizermos O QUE é a dor. A gente só sente ela e, bom, pra você que não é profissional da saúde, pode ser o suficiente...
Mas será mesmo? Será que se entendêssemos melhor o que é a dor não poderíamos lidar melhor com ela quando ela aparece - ou quando decide não ir embora?
Existe um conceito definido pela ciência sobre a dor, porém eu vou tentar simplificar a coisa em uma única frase: a dor é um alarme do corpo.
A dor nada mais é do que o alarme do nosso corpo para quando algo não vai bem em um tecido ou órgão.
Então imagina que eu tenho uma inflamação no meu rim. Ora, o rim não fala, então ele não pode mandar um "Oh, cérebro, tô com inflamação aqui!". Então o que ele faz? É claro, ele envia um sinal intenso para o cérebro e o cérebro, por meio de vários processos (não cabe entrar em todos eles agora), gera a dor.
Ah, note bem a palavra que eu usei: GERA a dor.
Isso porque a dor é um PRODUTO do cérebro. É o cérebro quem "cria" a dor. Na verdade, "criar" não é a palavra mais adequada... podemos dizer que ele "traduz" um sinal, depois de vários processos, como falei, em DOR.
Ou seja, a dor que você sente no seu pé, não está acontecendo no seu pé. Ela está acontecendo no seu cérebro.
"Mas então quer dizer que não tem nada no meu pé quando eu sinto dor nele?"
Calma! Não é assim. Se você sente dor no pé, provavelmente - PROVAVELMENTE! - é isso que está acontecendo no seu corpo: SEU PÉ está enviando uma informação (a forma como isso acontece não cabe à esse post, podemos falar disso depois) para SEU CÉREBRO e ele, por meio de um processo - que é bem complicadinho de tentar explicar aqui - vai decidir se vai produzir a dor ou não.
Agora presta atenção nessa outra palavra: DECIDIR.
É seu CÉREBRO quem decide se você vai sentir dor ou não.
Isso tá ficando confuso, né? Então vou dar um exemplo prático para você, se liga:
Imagine a seguinte situação:
Você está caminhando tranquilamente por um parque... um caminho arborizado, o ar fresco batendo no seu rosto, você se sente ótimo naquele lugar, para uma caminhada matinal. Tão ótimo que decide até tirar o calçado que você está vestindo para poder sentir a grama nos seus pés. Você faz isso. Tira o calçado. E continua a caminhar.
Quando, do nada, você sente uma pontada de dor na sola do seu pé direito. Você tira o pé do chão rapidamente, como se tivesse colocado ele em cima de uma faca e, bom, você descobre que foi quase isso mesmo. Afinal, você olha para o chão e vê um caco de vidro. Olha para seu pé e vê o sangue escorrendo. "PUT* MERDA!" Você pensa - mas não fala, porque você não fala palavrão (risos). Em questões de segundos, a dor que veio em uma pontada agora se transforma em uma dor lancinante, que chega a pulsar de intensa.
Você já começa então a imaginar como vai chegar em casa, como vai caminhar daquele jeito. Mas não dá tempo de criar um plano, pois seus pensamentos são cortados (quase como seu pé) por um rosnado alto, estridente, que te arrepia até a espinha. Você olha para trás e tem um cachorro, daqueles grandes e musculosos, olhando para você com os dentes de fora, cerrados, babando.
Você pensa "não se mexe". Mas o cachorro não parece concordar com essa sua ideia, pois vem avançando passo a passo para mais perto de você. Você então olha para frente e vê um banheiro, há 5 passos de distância de onde você está. "Dá tempo!" você pensa. E não pensa duas vezes, dá 5 passos rápidos, o mais rápido que consegue, entra no banheiro e bate a porta com tudo. Deu tempo.
E agora, no conforto do banheiro, depois de alguns segundos, os latidos lá fora cessam. O cachorro foi embora. Porém você olha para o chão e vê sangue. "Ele me mordeu?" você pensa. Não, é o corte. O corte no seu pé. "Caramba, quase me esqueci disso", você pensa.
Essa, é claro, é uma situação hipotética. Espero que você nunca tenha passado por ela. Porém, ela pode sim ser uma história verdadeira.
Você já viu uma criança que, ao cair no chão enquanto corre, sequer percebe que se ralou e continua correndo?
Ou então um jogador de futebol que torce o pé em uma jogada mas se levanta como se nada tivesse acontecido. E, no fim do dia, depois do jogo, que ele percebe que torceu o pé por que ele começa a doer e inchar?
A história do caco de vidro e o cachorro, da criança e do jogador, todos elas, possuem algo de semelhante. Em todos os casos, houve uma lesão. Seja o corte, o ralado ou a torção, o tecido se rompeu de alguma forma e, em uma situação diferente, provavelmente a pessoa sentiria dor.
Mas então porque nesses casos podemos não sentir dor?
Simples: porque o cérebro decidiu que, naquele momento, não vai produzir dor, pois algo mais importante estava em jogo, seja se livrar de ser comido vivo por um cachorro, seja continuar o pega-pega com o amigo, seja vencer o jogo de futebol. Em todos os casos, o cérebro julgou inúmeras questões, de forma inconsciente ou não, e decidiu que naquele momento o melhor a se fazer era que a pessoa não sentisse dor.
Então, dependendo do contexto, o cérebro pode decidir que não vai te mandar o sinal do corpo naquele momento, que não vai produzir dor.
É claro que isso esse efeito (chamamos de efeito endógeno) é passageiro, uma hora ou outra, quando há lesão, o cérebro enviará para a sua "consciência" o sinal de dor. Afinal, como eu disse antes, a dor é o alarme do corpo.
Mas o legal também é que, por meio de muitos outros processos internos, o cérebro, além de decidir SE dói ou não, decidirá também O QUANTO vai doer. Ou seja, a intensidade da dor. Isso pode explicar também o porquê de algumas pessoas serem mais "tolerantes" a dor do que outras, por exemplo - o que pode variar com o contexto também.
É algo muito complexo, mas muito interessante também.
Agora, para pra pensar: se o cérebro pode decidir que não deve gerar dor, mesmo existindo uma lesão real no corpo, será que ele não pode fazer o contrário também? Ou seja, decidir que deve gerar dor mesmo quando NÃO EXISTE uma lesão?
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